Hoje somente ficamos aqui na vila acompanhando os festejos e
celebrações; muita gente trabalhando... alguns cortando lenha, outros limpando
os bois, porcos, carneiros... que seriam servidos no almoço e jantar. Acompanhamos mais uma vez
as visitas que a “Coroa” do Divino vai fazendo; hoje foi a vez do barco dos
romeiros, que esta ancorado do lado do pequeno barco do Divino; aquele coberto
de palha.
Depois das celebrações, ouvimos um pouco da história dessa
festa, contada pelos descendentes dos primeiros festeiros do Guaporé, embaixo
da mangueira centenária, talvez plantada por um deles; nos contaram como tudo começou,
e como consegue se manter viva assim por 122 anos essa manifestação de fé e alegria;
essa festa já é considerada o maior evento tradicional religioso do Estado de
Rondônia. Na parte da tarde os trabalhos continuavam, pois hoje foi o dia mais
esperado; muita gente chegando ainda; pois como hoje foi o dia de erguer o
“Mastro”, muita gente veio para acompanhar e pagar promessa.
Nossas barracas estavam do lado da cozinha de um dos galpões
de refeições; onde as irmandades de Seringueiras, São Miguel... e outras mais
trabalhavam arduamente para que tudo saísse da melhor maneira possível. Com
essa galera aí logo nos enturmamos, pois eles são da irmandade por opção; em
sua maioria não são descendentes de quilombolas, mas participam por causa da
fé, por conta da religião. Gostaria de agradecer a todas as irmandades; mas em
especial as Irmandades de Seringueiras e São Miguel pela atenção e carinho
conosco da Expedição Rondon.
A noite chegou; depois do jantar, a “Coroa do Divino” saiu
em procissão com centenas de devotos, todos com velas acesas nas mãos, e foi
até a casa do “Imperador” e depois à casa da “Imperatriz”, buscá-los; para que
todos juntos fossem buscar o “Mastro”, distante da vila cerca de 1 km na
estrada de terra em meio à mata; esse local só é revelado na hora de buscar o
Mastro. O Mastro é uma madeira muito reta de 24 metros, pintada em gomos
intercalados em vermelho, azul e branco; é concorrido tocar e carregar o
Mastro; mas só pode ser tocado e carregado por homens; as mulheres só
acompanham. Durante o percurso eles fazem paradas, sobem o Mastro todos com os
braços estendidos, baixam para a altura dos ombros, (mas sempre carregado
apenas com as mãos) e seguem. Chegando de frente a igreja, onde o buraco já
estava pronto, colocaram o pé do Mastro no buraco, e sendo segurado pelos
braços dos devotos, é colocada em sua ponta a Bandeira do Divino; em seguida
auxiliado por várias “tesouras” de madeira e a força dos devotos, o Mastro é
levantado. É um momento de muita comoção e emoção entre todos; em meio a hinos
e rezas cantadas, muitos fogos de artifício são ouvidos; a Bandeira no topo do
Mastro simboliza a vitória desse povo, frente às dificuldades, para manterem
viva essa tradição, essa festa que há 122 anos existe. Após fixarem o Mastro,
os peregrinos acendem suas velas e colocam ali no pé do Mastro, pagando suas
promessas e assim agradecendo ao Divino Espírito Santo pela oportunidade de
estar ali, pela saúde, pela família...
Existe a crença de que a Bandeira do Divino fixada no topo
do Mastro indica a localidade onde acontecerá a próxima Festa do Divino. À
noite quando o Mastro foi erguido, ela apontava para Pedras Negras, segundo os
devotos; mas ao longo da noite foi se direcionando para Surpresa. Confirmando
assim o local da próxima festa. (Na manhã de domingo realmente a Bandeira do
Divino apontava para a direção da localidade ribeirinha de Surpresa; que esta
entre Costa Marques e Guajará Mirim).
Depois dos agradecimentos se deu por encerrado a cerimônia
do Mastro; a multidão se dispersou pela vila, lotando as lanchonetes e bares; para
logo depois irem para o forró; forró esse que iria amanhecer o dia.
Agora escreverei aqui
minhas impressões pessoais a respeito da Festa do Divino e algumas informações
extras.
A Festa do Divino Espírito Santo do
Guaporé realmente é um evento grandioso, com muitos valores e tradições muito
antigas, inclusive vindas da Europa e África. O que mais me surpreendeu foi a
fé que as pessoas que participam, que trabalham, que ajudam, têm. O povo que organiza,
que realmente fazem acontecer e também os que só vão para participar, em sua
maioria são muito simples. Descendentes de quilombolas e indígenas, bem como
também bolivianos; já que a festa é binacional. Várias comunidades bolivianas
estavam presentes na festa. Pois fazem parte da irmandade e foram visitadas
pelo barco do Divino, bem como eventualmente poderão também serem sede da
festa, como creio que já tenham sido.
As pessoas, principalmente os mais velhos, são bastante
desconfiadas, e não dão muita abertura a diálogo logo de cara não. Se você
perguntar respondem e só. Conosco ali
não foi diferente, creio que pior um pouco, pois nos viram chegando em motos
diferentes, todos equipados... no primeiro dia foi tudo bem restrito, sem muita
conversa; do segundo dia em diante já começaram a se abrir mais, fazendo com
que fizéssemos grandes amizades ali. Já visitei a cidade de Vila Bela da
Santíssima Trindade no Mato Grosso, bem como Rolim de Moura do Guaporé aqui em
Rondônia; todos remanescentes de quilombolas... aqui a história se repete, pois
a grande maioria também o são; realmente eles são desconfiados. Herança das
perseguições dos capitães do mato, fazendeiros, coronéis, militares... ainda
que inconscientemente, até que se prove o contrário, eles são desconfiados. Os
tempos mudaram, mas no DNA desse povo sofrido, a desconfiança ainda é a melhor
defesa; mesmo não sendo mais necessária.
Para provar o que escrevo aqui vou contar o que aconteceu
com o meu companheiro de viagem, Fabiano.
“Na sexta a noite teve
a missa campal, de frente a porta da igreja, que estava aberta. Muitos foram os
atrativos dessa missa, onde todas as orações são cantadas, recheada com vários
ritos que só vi aqui. Além de mim e do Fabiano da Expedição Rondon; estavam lá
mais 04 equipes fazendo a cobertura do evento. O SBT de Rolim de Moura (o
produtor Max e a repórter Gislaine), o Site afotoRM (repórter fotográfico
Carlos), TV Jornet de Porto Velho e o Governo do Estado, através da Sejucel .
Muito bem; então no sábado de manhã depois da missa, naqueles ajuntamentos
próximos a igreja, o Fabiano escutou duas senhoras de idade conversando:
-Uma disse assim: Em
você viu ontem uma moça morena na missa?
-A outra: Vi muitas,
aqui todo mundo é morena.
-Sim, mas era uma que
ficava se enfiando em tudo que é canto, até na frente do padre.
-Há vi sim, verdade,
que menina enxerida!... ...blá blá blá...
Vendo isso o Fabiano querendo
explicar para as senhoras disse:
-Mas aquela moça é
repórter! (elas estavam se referindo a Gislaine do SBT).
-Uma delas: É mesmo? nossa...
-A outra: É, mas é
enxerida mesmo. E se virando para o
Fabiano disse: -Igual você que tá aqui no meio da gente, seu enxerido!!!
Kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk...
rachei de rir quando ele me contou; dou risada até agora quando lembro; ...imagino
ele saindo de fininho de perto das senhoras.”
Continuando... esse povo desconfiado, é um pouco difícil de
ser conquistado; mas quando isso acontece, realmente é de verdade. Conquistamos
a amizade deles e fomos convidados a voltar outras vezes. Falando em voltar me
lembrei; fiquei surpreso com os poucos visitantes de fora, turistas ou pessoas
que não estão ligadas a festa; realmente são poucos, quase ninguém de fora.
Será por quê? Uma festa com 122 anos e poucos visitantes. Fiquei intrigado.
Talvez não seja do interesse deles que essa festa vire uma atração turística e
sim que continue sendo apenas uma manifestação de fé. Essa festa que sempre é
realizada em localidades simples sem muita estrutura, às vezes na beira do Rio
Guaporé, onde não se chega de carro, tendo que navegar talvez dias para se
chegar até lá; dormindo em redes... talvez essa situação nunca tenha atraído a
grande massa de pessoas comuns, que em sua maioria gostam de conforto, de lugares
que tenham uma mínima estrutura, como por exemplo: um bom hotel... Realmente
tem que ser aventureiro para participar dessa festa; conforto não existe lá,
mas vale muito a pena. Dormimos em barraca, encarávamos fila para tomar um
banho rápido, fila para comer...; mas ano que vem quero ir de novo,
kkkkkkkkkkkkkkkkkkk ...e o melhor, não gastamos
quase nada; nada de hotel, nada de restaurante (já que as 03 refeições do dia eram
gratuitas), somente gastamos com alguma bebida ou guloseima; realmente ficou
barato ir a essa festa.
Os pontos altos da festa são:
-A chegada do barco do Divino, acompanhado por todos os
outros barcos. (Já que os deslocamentos são todos por água; dizem ser a única
festa do Divino fluvial do mundo).
-E o transporte e fixação do Mastro.
Conclusão:
realmente vale muito a pena conhecer a Festa do Divino Espírito Santo do
Guaporé. Recomendo a todos sem medo de errar.
Porto Murtinho - RO,
(Festa do Divino Espírito Santo do Guaporé).
Nosso hotel
Check-up na Sarita
Café da manhã sendo preparado; o Fabiano ajudou nessa preparação
Café da manhã
Rodnei Paes, Superintendente da Sejucel; apoiando o evento. Segundo Rodnei Paes, o atual governo esta dando total apoio ao evento, já que se trata de um patrimônio cultural e histórico de nosso estado.
Da esquerda para a direita: Lebrinha (Prefeita de S. Francisco), Fabiano, Valdir Raupp (Senador), D. Raimunda, Marinha Raupp (Dep. Federal), eu, Assessora do Rodnei e Rodnei Paes (Sup. Sejucel)
Rio São Miguel
Mulheres lavando a louça no rio
A maioria das pessoas estão alojadas nos barcos
A mangueira centenária; plantada talvez por um dos pioneiros dessa região
Esse sino foi trazido da localidade de Limoeiro, e data de 1948
Miguel, nosso anfitrião aqui em Porto Murtinho; estamos acampados no quintal da casa dele
Muita gente trabalhando
Artista
Ao fundo nosso acampamento
Visita da Bandeira e Coroa do Divino aos barcos
Praça da vila
Entrevistando a neta do pioneiro da Festa do Divino
A 122 anos o avô dela trouxe essa tradição e a adaptou a região das águas; o Vale do Guaporé
Aqui o pilão ainda não se aposentou não
Fogão a lenha
Tarde quente e um bom banho de rio
Natureza exuberante
Região que atrai muitos pescadores
Posto de Saúde da vila
Escola indígena
Porto Murtinho; aqui a população é bem mista; índios, caboclos amazônicos, negros, pardos... inclusive descendentes de bolivianos e peruanos.
Farinheira
Jantar
Procissão para transporte e fixação do Mastro
O Mastro sendo carregado pelos fiéis
Apenas os homens podem transportar o Mastro
Eu e o Fabiano registrando tudo
Expedição Rondon buscando e valorizando nossa cultura
Mastro, uma madeira muito reta de 24 metros de comprimento e muito pesada
Bandeira do Divino na ponta do Mastro
Tesouras para erguer o pesado Mastro
Enfim depois de muito trabalho, o Mastro esta de pé
Momento de muita emoção entre todos
Momento de alegria
Momento de comemorar mais uma vitória
Com certeza realmente merece muita comemoração; uma festa que é realizada a 122 anos. Fico imaginando a primeira festa em 1894; como foi? Quem eram as pessoas que participaram? É fascinante a história dessa festa. Eu e o Fabiano, somos privilegiados em termos a oportunidade de participar dessa festa tão grandiosa e rica, no que se refere a cultura, história, tradição e fé.
Gerson Paulino e Andarilho
Gislaine (Repórter SBT Rolim de Moura), Gerson Paulino (Vereador Pres. Câmara de S. Francisco e também motociclista), e Fabiano (Moto Aventureiro e Padeiro nas horas vagas, kkkkkkkk...)
Pagando promessas no pé do Mastro
Mastro na manhã de domingo
Sem dúvida uma experiência que jamais esquecerei, essa "festa" em que participamos por assim dizer foi onde fizemos parte de um pequeno capítulo da história de Rondônia... Ainda bem que somos bicão (temos histórias para contar kkkkkkkkk), essa manifestação de fé tem traços herdados do catolicismo português com uma mistura da perseguição sofrida pelos escravos no Brasil... muito lindo... E são mesmo desconfiados por natureza kkkkkkk. Obrigado Andarilho da Amazônia Brasil (facebook) por me proporcionar essa visita histórica em Porto Murtinho e demais localidades que visitamos, convido a todos que tiverem oportunidades de um dia visitar a Festa do Divino do Guaporé não irão se arrempeder!
ResponderExcluir