Depois de quase 10 anos encontrei meu caderninho com nosso
diário de bordo e então estou postando...
Levantamos às 06:00 h; fomos até a bica de água
gelada, lavamos o rosto, escovamos os dentes; e aí sim vimos onde estávamos;
pois havíamos chegado ali já a noite. O lugar era lindo; um vale, cercado de
montanhas de ambos os lados, ainda coberto de verde. O café da manhã servido
aos caminhoneiros era um caldo de frango; que não conseguimos encarar. Eu tinha
visto um cacho de banana de fritar pendurado na escada que ia para os
quartinhos; então pedi para a senhora fritar algumas bananas daquelas pra
gente. Ela nos serviu banana frita com café; estava bem melhor que o outro
cardápio. Então partimos para as motos. As motos dormiram num pequeno terreirão
para secagem de café, que também serve como calçada do restaurante rural. Ali
mesmo o Roberto desmontou minha moto. O filtro de ar estava muito sujo; por
isso a moto não andava mais. O Roberto limpou o filtro e diminuiu o giclê de
alta do carburador, trocando o 132 por um 128. O giclê 132 que estava na minha
foi para a moto do Roberto, que estava com o original, o 150. Lubrificamos as
correntes, arrumamos a bagagem e tiramos algumas fotos com nossos novos amigos,
para seguir. Nesse momento chega um caminhão de combustível, lotado de gente em
cima. Imagina um caminhão de combustível carregando pessoas naquela estrada;
muito louco. Pararam ali para tomarem o café da manhã; e logo se encantaram com
a gente e nossas motos, bem como com toda essa aventura. Um deles estava muito
mal, com uma alergia muito grave; como tínhamos levado vários remédios; inclusive antialérgico, medicamos o homem ali mesmo; o que só estreitou ainda mais os laços daquela
amizade instantânea e passageira, mas que valeu muito a pena. Ali conversando
com eles ficamos sabendo que estávamos a 25 km de Marcapata. Bem longe por ser
cordilheira e a estrada ainda ser de terra. Na hora de pagar toda a despesa:
jantar, bebidas, hospedagem e café da manhã; o “Claro” nos disse que tinha dado
08,00 soles, tudo. Vejam bem, em real daria como R$ 5,00; mesmo em 2008, isso
era muito barato. Então o Roberto deu $ 15,00 soles e eles ficaram muito
felizes, e nós também. (Nota: sempre que
vou ao Peru, passo nessa casa visitar essa família que nos acolheu naquele dia
em 2008; e para nossa tristeza ficamos sabendo que o nosso antigo anfitrião, o
“Claro” foi atingido por uma queda de barreira na estrada e veio a falecer;
creio que em 2012.) Enfim seguimos para Marcapata; as motos realmente
ficaram boas novamente. Nesse trecho cruzamos vários riachos; mas um deles era
muito violento; tanto que tivemos que passar um de cada vez, com o outro atrás
ajudando; com água gelada até o joelho mesmo. Chegamos a Marcapata, cidade
pequena, tradicional andina; mas não encontramos gasolina. Era domingo e as
pessoas dali que vendiam gasolina em casa mesmo, não estavam em casa; deviam
estar passeando nos arredores. Então sabendo do paradeiro de uma senhora que vendia
gasolina, contratamos o mesmo menino que nos informou onde ela morava, para ir
de bicicleta até a casa onde ela estava, avisar que tinha gente precisando de
gasolina. Deu certo, a senhora apareceu para abastecer as motos; foi no balde e
funil mesmo. No Peru a unidade de medida é o galão, ou seja 3,6 l. Ela nos
perguntou quantos galões; ferrou... como iriámos saber... cheio, enche aí. Há
sí full, lleno. E ai aprendemos a falar “pleno”, toda vez que nos perguntam
quantos galones. Depois de algumas fotos, fomos subindo devagar rumo a parte
mais alta da cordilheira nessa rota, a Igrejinha a 5.100 m.s.n.m.; em Marcapata
estávamos a 3.100 m.s.n.m. Fomos subindo tipo ziguezague aquela imensa
montanha, como se fosse uma escada em caracol. A vegetação e a própria
cordilheira mudaram radicalmente. Avistamos picos com neve, passamos entre
lhamas, vimos muitos currais de pedra, herança ainda do povo incaico, mas sendo
utilizados até hoje; altitudes de tirar o fôlego, e as motos sempre subindo.
Aumentou as montanhas nevadas a nossa volta, e o frio também. Quando avistamos
a famosa Igrejinha, foi muita emoção; pois havíamos concluído a subida, que
seria a parte mais difícil. Paramos na Igrejinha; fizemos muitas fotos, neve
bem ali em volta, no termômetro do relógio do Roberto marcava -1°C; era muito
frio mesmo. Mas a emoção de estar ali nos fazia suportar o frio intenso. Vimos
um caminhoneiro parar seu caminhão e entrar na pequena igreja para fazer sua
prece, e creio também agradecer a Deus por tê-lo protegido até ali. Dentro da
igrejinha estava bem quentinho, pois havia muitas velas acesas; mas
precisávamos seguir, porque a noite já chegava. (Nota: Essa Igrejinha que cito aqui, fica paralela ao que hoje é
a Abra Pirhuayani; antes do asfalto a estrada não era ali onde é hoje; e
passava dos 5.000 metros; então encontraram um lugar mais baixo para fazer a estrada
nova. A estrada antiga de terra e a Igrejinha existem até hoje; e é possível
passar por lá ainda nos dias de hoje. ) Começamos a descida já anoitecendo.
Depois de algum tempo descendo, chegamos no asfalto; estava novinho,
sinalização impecável. A velocidade aumentou e o frio também. Paramos numa
vila, abastecemos as motos e aumentamos nosso agasalho. Seguimos rumo a Cusco
passando por Ocongate e outras vilas mais. A sensação térmica devia ser de
-2°C, era muito frio mesmo; nosso equipamento aguentou bem o frio, com exceção
das luvas. O frio nas mãos, principalmente nas pontas dos dedos era cortante.
De vez em quando parávamos para aquecer as mãos no motor da moto, para aliviar
um pouco aquele frio louco. O Roberto havia levado aquelas luvas cirúrgicas
para usarmos embaixo da nossa luva de inverno; mas não funcionou; muito pelo
contrário; como elas são impermeáveis, e não deixam a pele respirar; foi
juntando uma fina camada de suor ali dentro, mesmo no frio, que com a
temperatura de fora, começou a congelar; nossos dedos doíam tanto que ficaram
dormentes; até que desconfiamos do que estava acontecendo e as tiramos na hora;
em seguida aquecemos as mãos no motor da moto, recolocamos as luvas e seguimos. (Nota: Definitivamente as luvas
cirúrgicas não são boas para segurar frio. Não as use. ) Chegamos à Cusco
meia noite; fomos direto à Praça das Armas, lugar fabuloso; perto dali
encontramos um hotel com garagem para as motos, o Hotel Casa Grande.
Estacionamos as motos e tomamos um mate de coca para aliviar os efeitos do frio
e da altitude. Impressionante, mas não sentimos nada de mal da altitude estando
ali. Em seguida fomos a um restaurante chique em frente ao hotel, que já estava
praticamente fechado; mas o Wilson, um dos funcionários responsável por fechar
o restaurante, sabendo da nossa situação, nos serviu um chocolate quente antes
de ir embora. Estávamos tão cansados que nem tiramos toda a bagagem das motos;
tomar banho então, nem pensar... segundo dia sem banho. Apagamos.
Roberto escovando os dentes na bica gelada
Local onde dormimos, 25 km antes de Marcapata
Higiene total, só não tomava banho kkkkkkk
Nosso "hotel"
Estrada do Pacífico
O sol dando o ar da graça na cordilheira
Hora da manutenção e diminuição dos giglês
Carburador da Sarita
O homem da alergia
Senhor observando o Roberto mexer na moto
Subindo para Marcapata
Vale onde dormimos
Passagem de água
Maracapata
Aqui foi nosso primeiro contato com as vestimentas típicas do povo da cordilheira
Cavalo peludo, adaptado para o frio
Aguardando a senhora para abastecer as motos
Por conta desse atraso de várias horas, chegamos a noite em Cusco
Enfim a gasolina
Engenheiros brasileiros na construção da estrada
Dois policiais de Marcapata
Plaza de Armas de Marcapata
Igreja de Marcapata
Roberto e o amigo que queria tirar uma foto conosco; ele estava mamado
Subindo a cordilheira em degraus rumo à "Igrejinha"
Alto e muito frio
Enfim a Igrejinha
5.100 m.s.n.m. (Nota: na época diziam que era essa altitude, hoje tenho minhas dúvidas; ainda vou passar lá com meu GPS para confirmar)
Dentro da Igrejinha estava bem quentinho
Vista ao longe do Nevado Ausangate
(Nota: a Abra Pihuayani 4.725 m.s.n.m. onde passamos hoje, esta na encosta dessa montanha, do lado de lá; de frente para o Nevado Ausangate que aparece ao fundo com seus picos nevados)
Aqui estava muito frio mesmo
Em Tinki, colocando mais agasalhos para amenizar o frio intenso
Abastecendo em Tinki
Em Cusco na Hospedaje Casa Grande
Aquela bagunça básica de quarto de motociclista
Só admiração por sua coragem e vontade de viver, conhecendo esses lugares maravilhosos.
ResponderExcluirO quarto de motociclista sempre assim organizado kkkkkk
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